Que assim seja.

Que assim seja.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Augusto dos Anjos


Vês, ninguém assistiu ao formidável
enterro de tua última quimera
Somente a ingratidão esta pantera
Foi tua companheira inseparável
Acostuma-te à lama que te espera
O homem que nesta terra miserável mora entre feras
Sente inevitável necessidade de também ser fera
Toma um fósforo, acende teu cigarro
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão que afaga é a mesma que apedreja
Se alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja esta mão vil que te afaga
Escarra nessa boca que te beija.


Quando chega a hora...


Tem uma hora que a gente acorda e pensa: - Chegou a hora!
Chegou a hora de seguir nosso caminho, de fazer nossa história com nossas próprias pernas... Daí pensamos: - Mas como devemos fazer isso? Ficar esperando a hora certa chegar ou fazer com que essa hora chegue logo, por sentirmos que essa é a hora? E como sabermos que realmente chegou a hora de darmos esse grande passo em nossa vida?
Dizem que Deus fala com a gente através de sinais e que devemos estar atentos a todos eles. Para alguns esses sinais vêm através de um pressentimento para outros através de sonhos e para alguns vêm através de uma proposta profissional, como no meu caso.
Quando recebi a proposta para trabalhar em Portugal eu senti, chegou a hora... No início deu um certo medo, um frio na barriga... Nunca havia ficado longe de minha família, de meus amigos. Foi uma decisão difícil, mas sabia e sentia que não podia recusar, se eu deixasse essa oportunidade passar como saber se ia dar certo, se eu ia conseguir? Mesmo sabendo que nossas decisões não afetam somente nossa vida e também a vida de todos que estão a nossa volta, seja direta ou indiretamente, eu decidir aceitar a proposta. Foi uma experiência incrível, pois me ensinou a lidar com meu lado emocional, social e de convívio. Depois de um ano estava de volta ao “ninho” familiar, nossa, quanta alegria (me lembro como se fosse hoje). J  Estava muito feliz, mas no fundo eu sentia que eu ainda tinha muito a aprender, a crescer e a oferecer e se eu ficasse ali não ia conseguir nada disso.
Então surgiu uma oportunidade para eu ir morar em Cipó (ah, Cipó, meu lugar, minha terra, minhas raízes...), minha morada em Cipó fez com que eu descobrisse o verdadeiro valor da amizade (tão verdadeiro que vivo na certeza que nunca estarei só e desamparada), que existem várias formas de amar, o respeitar e gostar de todos como são e de fazer com que os outros gostem e respeitem você como é.
Depois de um ano, olha eu de novo no berço familiar, de volta a Itabuna, chegou a hora de escolher um caminho profissional, e para isso o primeiro passo é fazer uma faculdade (um dia minha mãe ligou e disse, fiz sua inscrição para fazer vestibular para Turismo...), o que eu podia fazer? Era uma nova oportunidade de crescimento pessoal que estava surgindo, fiz o vestibular, passei, concluir o curso de Turismo, foram ótimos quatro anos, fiz novas amizades, pessoas que tenho como irmãs.
É engraçado, quando a gente se forma em faculdade, saímos numa sede danada de exercer a profissão escolhida, mexe daqui, mexe dali, procura aqui, procura lá... Um dia surge uma oportunidade de trabalho em uma pousada de Paraty (uma pequena linda cidade que respira natureza, cultura e lazer por todo lado, simplesmente amei), mais uma vez não deixei a oportunidade passar, conversei com meus pais e estava eu de novo partindo para uma nova experiência. Em Paraty conheci o valor da honestidade (não, que eu não seja honesta), a dona da pousada que não foi comigo, mas minha passagem por Paraty não foi ruim, fiz uma amizade bacana com uma colega de trabalho, curtir o que deu pra curtir.
Há quase três anos estou em Porto Seguro, trabalhando como professora na Zona Rural na Fazenda Bom Sossego, com o pessoal daqui da fazenda aprendi o quanto é importante fazer o que gostamos... Fiz 40 anos essa semana, e hoje as mães fizeram uma festa surpresa pra mim, J fiquei muito emocionada. E é nesses momentos em que temos a certeza de está fazendo a coisa certa.
Nessas idas e vindas nas estradas da vida tive a oportunidade de perceber a minha individualidade, a importância de se trabalhar o mental, o social e de me impulsionar para a vida, percebendo a minha própria força, fé e coragem.


terça-feira, 6 de novembro de 2012



Bom dia, Loba! Foi seu primeiro pensamento naquele dia. Levou quarenta longos anos, mas a idade emblemática chegara afinal. Talvez os primeiros indícios, precoces, fossem um discreto pratear de cabelos na fronte, aqui e ali. Que se tornaram mais e mais intensos. Essa ou aquela marca de expressão, quando um sorriso maior se desenhava. Que com o tempo, foram se tornando mais intensos. Uma leve dificuldade para enxergar detalhes, pequenas letrinhas num papel. Que aos poucos, foi se tornando mais intensa. E agora, enfim, por conta de tanta intensidade somada, se tornava, naquela manhã, a famosa e intensa "loba". Segundo um relato ouvido recentemente, "a loba é uma mulher dita de mistérios fascinantes. Um tipo de mulher madura, de sabor intenso, de alma pacifica e abrandada pelo tempo, de carne tenra, de toque suave. Um tipo de mulher miticamente, fatal."Fatal mesmo, para ela naquele momento, era o tempo, que como as águas do mar, ao mesmo tempo traz novos sedimentos, novas conchas e grãos de areia, também remove sedimentos, cascalho, dando nova forma à praia. Renovando, renovando sempre. Inevitável. Tão inevitável quanto respirar. Embora não remoçasse, ao contrario, senilescesse. Era assim, renovada que se sentia. Como se sentira aos dez, aos vinte, aos trinta. Um novo período que se iniciava, como um novo capitulo de um livro, que traria novos detalhes desconhecidos à velha história. Virava mais uma página. Ainda ontem, os últimos minutos dos trinta e nove. Despediram-se. Encerrava um cilclo balzaquiano. Agora, tinha quarenta. Quatro décadas e nenhuma vergonha de dizer.Naquela manha, a loba nascera. Frágil e receosa ainda. Insegura como tudo o que nasce, se inaugura, estréia. Mas sabia que aos poucos, com o virar das páginas, a experiência necessária chegaria a bom tempo. Daqui a mais algum tempo, talvez estivesse mais segura, altiva, ainda mais prateada , andando tranquilamente pela floresta do tempo.Seus sonhos, ainda eram os mesmos, conduzir a matilha a um descanso tranquilo ao final do dia. Zelar, cuidar. Aprender, amar. Quem sabe encontrar algum lobo solitário disposto a unir as matilhas, a também cuidar e ser cuidado. Mas queria, queria sim caminhar. Por este caminho novo que Deus desenha à sua frente. Queria provar dessa fruta madura com a curiosidade de quem tem dez, somada à ansiedade de quem tem vinte, a calma de quem tem trinta e a maturidade de quem, agora, tinha quarenta anos. Que venham os novos desafios! Que não falte o trabalho, que enobrece a alma. Que não falte a perseverança para levantar todos os dias. A loba já acordou! Mas que venham também as novas alegrias, pois a loba tem fome de novidades e está pronta para viver. Queria que aquele dia amanhecesse nos braços de um grande amor, em uma praia paradisíaca dessas por aí, e só depois de muito beijo, a loba fosse liberada para matilhar. Mas a vida é um desacerto harmônico, e afinal despertara. Era hora de recomeçar !
Por Cris Vaccarezza